Noughts and Crosses de Malorie Blackman
- cspandrade3
- 24 de mar. de 2021
- 3 min de leitura

Há muito sobre este livro que demoraria a compreender, genuinamente, talvez pela complexidade ou pela proximidade do real, mas em pontos inversos, talvez por saber que vivo em privilégio, em relação a outras mulheres e isso é um facto que muitos querem negar, negando a zenofobia e o racismo. É inegável dizer que não me deixou indiferente, que me apertou o coração e me acendeu cada rastilho de raiva preso no meu corpo.
Em síntese, falamos de uma história de amor, que nem Romeu e Julieta, cuja diferença está no tom de pele. Persephone Hadley (Sephy) e Callum Mcgregor protagonizam este enredo fatal. E através de sua própria perspetiva, vamos vivendo a sua história.
Os antepassados desta sociedade distópica organizaram-se, tal como a nossa, num sistema de opressão “racial”, sendo os Zeros (Brancos) escravizados pelos Cruzes (Pretos). A escravatura já não está presente, mas a discriminação e a opressão estão bem vivas, promovendo um ódio mútuo entre ambas castas. Nesta sociedade muito semelhante à nossa, mas invertida, assistimos ao romance de um zero, Callum, e uma Cruz, Sephy, que tem tudo para já estar condenado.
Eu surpreendi-me bastante com este livro, muito honestamente, até porque as espectativas que tinha eram inexistentes. O desenrolar do enredo faz-nos desejar que o universo acabe que a justiça seja feita, desejar que Callum e a sua família tenham direito à felicidade, no entanto, faz-nos refletir sobre o quão apáticos somos em relação à nossa realidade, que assiste a manifestações de racismo e xenofobia constantes, fazendo-me achar que a nossa sociedade é, no geral, do mais deprimente e reduzida.
Em relação a detalhes que me suscitaram especial interesse, este livro tem uma bandeja cheia de referências à nossa atualidade.
Com o fim da escravatura e pós violência contra os Zeros, é criada uma Milícia violenta contra a opressão dos Cruzes, que pratica atentados terroristas, de forma a obter resultados favoráveis para os Zeros (não vos lembra nada?). Imediatamente, esvoacei para o mísero conhecimento do quotidiano e me recordei de inúmeras entidades terroristas que foram criadas sob o mesmo fundamento.
Com esta pressão fomentada pela Milícia, o Presidente Kamal Hadley, pai de Sephy, permite a entrada de um número reduzido de Zeros numa escola de Cruzes, visto não existirem escolas para Zeros. Deste modo, permitir-lhes-ia uma educação com futuro, aspeto já balizado pelo tom de pele. (Ainda não vos alumiei a memória?)
Os Zeros, entre eles Callum, são recebidos com a maior violência, uma manifestação à porta da escola, discriminados e perturbados pelos professores, sujeitos a tratamento diferenciado e bullying. (A sério? Ainda nada?)
Ambas fações, Zeros e Cruzes, não querem que exista mistura, então lutam para que se permanecem distanciados, mesmo que seja pela violência, inclusive, a existência relacionamentos inter-raciais é resolvida à violência física.
Em relação aos media, é bem clara a propensão destes, só mostrando criminalidade em Zeros e os Cruzes como vítimas. Nos livros de história, os Zeros só são escravos, mesmo sendo evidente e comprovado que contribuíram para o desenvolvimento, não serão alvo de discussão porque não são Cruzes, inclusive, a autora referencia cientistas e outros nomes reais que alega serem de alta importância, mas não terem direito ao pódio dos livros de história, pelo tom de pele.
Eu terminei a leitura deste livro com o coração despedaçado, a autora rasgou e riscou qualquer resquício de esperança ou boa vontade que o meu coração apresentasse ao mundo.
Em relação a personagens que mais gostei, fico-me pelo Callum e pela Sephy, são personagens complexas, mutáveis e genuinamente reais.
Além destas questões mais presentes numa distopia, este livro também aborda o crescimento, a passagem da idade, a adulthood, relacionamentos por conveniência, parentalidade em diferentes perspetivas, o desmoronar de uma família, resultado da sociedade, o desgosto, o alcoolismo e uma pitada de ativismo.
Agora, a parte sórdida e imoral, os defeitos! Há um ponto de viragem em que a história entra no modo “fantasia”, *Spoiler*, [Spoiler]. Depois de Callum entrar para a milícia, rapta Sephy, e por circunstâncias do destino, fazem o amor. Ora bem, a cena do rapto… Eu achei altamente irrealista… ALTAMENTE! E deixou tudo muito em aberto. Pintam um Callum sem sentimentos, ele rapta a moça e depois já tem sentimentos, aliás, ainda se amam, depois de tantos anos… Acho que a história foi apressada e irrealista, fazendo-me sentir inconformada. Algo mais terra a terra faria mais sentido.
Eu gostava que as personagens tivessem arriscado mais e foi isso que me fez sentir a ingratidão, eles nem tentaram, nem se manifestaram, tudo à sua volta foi sendo decidido, sem que tivessem uma posição firme. E há detalhes que fazem com a história perca a sua credibilidade.
Há uma parte dois e dir-vos-ei quando a ler.
Sejam bondosos e sensatos!
Cláudia Sofia
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