Somos Todos Assassinos de Jean Meckert
- Sofia
- 29 de nov. de 2020
- 3 min de leitura

Olá Ilustres!
Eis que me apraz informar que findei leitura de um livro. *Palmas desenfreadas* (Só que não).
Para não variar, mais um livro provido de agonia, sofrimento e reflexão: “Somos Todos Assassinos”, de Jean Meckert.
O livro: Somos Todos Assassinos de Jean Meckert.
A minha edição é da Antígona, de capa mole, com 207 páginas. Este romance tem a particularidade de preceder o guião de um filme homónimo, de André Cayatte e Charles Spaak, fenómeno insólito para a altura. A publicação do romance datou-se em 1952.
Somos Todos Assassinos confronta-nos com um período em que França ainda legitima a pena de morte. René Le Guen é a personagem fundamental, nesta obra, pois centra em si a narrativa, sendo este condenado à pena capital. Além da narração dos acontecimentos que o levam à condenação, temos também a perspetiva de Philippe, o advogado de René; tal como de Michelle Le Guen, irmão mais novo de René; e de Albert Dutoit; companheiro de cela de Le Guen, jovem médico acusado de matar a esposa.
A opinião:
O Enredo
Jean Meckert equipara o papel de assassino tanto ao bandido como às instituições. Esta perspetiva é-nos relembrada constantemente.
Le Guen, um jovem analfabeto e reservado, produto de pais disfuncionais, agarrados ao álcool, abandonado, ele e os irmãos, pela sociedade, vê-se obrigado a vingar pela força e pela violência, pois não conhece outra resposta. A irmã entrega-se à prostituição e o irmão mais novo fica ao abandono, numa casa com um casal que o usa para lavoura e descredibilizam a educação. Uma família destinada à fatalidade, sem possibilidade para oportunidades futuras.
Como ele, vemos outros demais exemplos de injustiça e ingratidão, que nos mói o estômago, desde injustiças sociais, mentes criminosas no homem comum, à própria conceção errónea de acusações de pena capital sem provas fundantes.
Ao longo da narrativa, Le Guen envolve-se em trabalhos ilegítimos, a favor da Resistência, em que mata a mando de superiores, sem questionar seja quem que for, agravando a sua ignorância. Por fim, embrulha-se numa teia perigosa e fatal, sendo condenado à morte.
De uma sagacidade e impiedosa linguística, Meckert expõe a realidade dura dos nossos dias: os assassinos somos nós, enquanto sociedade e instituição, que obsessivamente, contribuímos para a produção em massa de criminosos. A educação vaga e standard não incentiva ao usufruto e desenvolvimento do espírito crítico; os fossos sociais e económicos são discrepantes, existindo uma pobreza exorbitante, dos mais vários tipos; a estupidificação é lei regrante dos media; o fascínio pela ofensa e pelo ódio são cultivados, diariamente.
Em suma, proporcionamos as condições ideais para que sangue escorra nas nossas mãos, que discriminamos a empatia, fomentamos a divisão e a segregação, abraçamos a violência. Este livro é um manifesto anti-morte, uma representação da sociedade, uma voz, um apelo, uma força anti opressão da instituição e da sociedade.
Personagens:
A personagem que mais apreciei foi o Dutoit, pois existe um diálogo com o capelão que me impactou e por mostrar, desde que urge, uma atitude correta, pragmática e sincera. Ele é a prova que o sistema não funciona, pelo contrario, a dinâmica do “servir de exemplo” é das maiores ingratidões.
A personagem que mais odiei, sem sombra de dúvidas, Francine Sautier, que usufruiu da sua influência sexual para incitar ao assassinato do próprio marido, sendo fulcral na condenação de alguém à morte, injustamente. Desprezei por inteiro, guardando-lhe o mais alto dos rancores ao delegado do Ministério Público, por ser um alguém com palas, desejosos de impor a lei pela força e não pela justiça.
Citação destacada:
“Um herói consciente e organizado chama aos seus subordinados «bons rapazes». E o rei dos bons rapazes é aquele que faz tudo o que lhe dizem sem refilar e sem pedir explicações; quanto mais imbecil, melhor!”
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